A contradição ainda é o que sempre foi
Admiro a coerência das criaturas que se dedicam à política. São – e não me importo nada de generalizar – pessoas com muita maleabilidade a vários níveis. O da cintura é um deles. Não é que venha daí grande mal ao mundo, até porque a existência de políticos a estar inteiramente de acordo e ser simultaneamente de opinião contrária – seja com o que for – é coisa que, mais do que irritar ou surpreender, me diverte.
Veja-se o caso da relação dos partidos com a religião. A direita, por norma beata, está contra a amnistia proposta pela Igreja. Já a esquerda, habitualmente ateia e pouco dada às coisas da fé, acolheu a ideia com todo o entusiasmo. Mesmo sendo conhecida a profunda ligação emocional que os partidos de esquerda têm com os criminosos, não deixa ser ser estranho que desta vez não reclamem contra a ingerência do “clero na política”, invoquem a “laicidade do Estado” ou proclamem “a separação de poderes” como foi no debate do aborto, naquela coisa dos crucifixos nas escolas ou do financiamento público às jornadas mundiais da juventude. Mas, lá está, isto as maleitas às vezes espalham-se e o que começa com uma cintura maleável pode alastrar às costas e torná-las flexíveis.
Flexibilidade – e muitíssimo bem – foi coisa que a dita esquerda não mostrou relativamente aos abusos sexuais sobre menores, alegadamente cometidos no âmbito da Igreja católica. Ao que tudo parece indicar no Reino Unido existirão problemas de idêntica natureza, alegadamente perpetrados por criminosos muçulmanos, numa escala, nomeadamente em perversidade, que poderá até ultrapassar largamente os primeiros. Perante este cenário o que diz a esquerda portuguesa e – passe a repetição - a comunicação social nacional? A culpa é do Musk, informam-nos. Aqui a maleabilidade já vai muito mais além da zona lombar. Chegou ao carácter. E nem se trata de um problema de flexibilidade do dito. É mais viscosidade.