No rescaldo do debate de ontem entre José Sócrates e Passos Coelho, Miguel Sousa Tavares, conhecido especialista em analisar tudo e mais alguma coisa, referindo-se às despesas com a saúde, afirmava peremptoriamente que o país não tem dinheiro para levar os doentes que moram na província a consultas ou tratamentos em Lisboa. Concluiu de seguida que deviam ser os familiares, vizinhos ou amigos – esqueceu-se de mencionar os parentes afastados – a tratar do caso. Até, reforçou, pelos deveres de solidariedade que todos devemos praticar. Não sei se o fulano ainda possui um monte no Alentejo. Se assim for esta posição constituirá uma boa noticia para os vizinhos que, em caso de se sentirem enrascados, já sabem a quem recorrer numa próxima ida médico.
É por demais óbvio que o país não terá dinheiro para tudo. Era, até, quase capaz de assegurar que não tem graveto para nada. Não pode, no entanto e ao contrário do que afirma MST, cortar na assistência médica a quem dela precisa. Seja rico ou pobre, velho ou novo, resida em Lisboa ou em Estremoz. Se, como também é compreensível, não pode existir um hospital com todas as especialidades em cada aldeia, não parece também difícil de entender que o Estado tem de assegurar os recursos necessários para levar os cidadãos até onde existem os meios para os tratar. É, aliás, o que faz com bandidos a quem os juízes aplicam penas de prisão para ser cumprida ao fim de semana. Não existindo uma cadeia em cada terra, o Estado – o mesmo que não tem dinheiro para transportar doentes – coloca um taxi à porta de casa do meliante para o levar à choça no Sábado de manhã e outro, à saída da choldra no domingo á noite, para o trazer de regresso ao aconchego do lar.
MST não reconhece aos cidadãos que residem longe dos grandes centros urbanos os mesmos direitos que assistem aos que lá moram. Apesar de pagarmos os mesmos impostos e cumprirmos deveres iguais. Evocar falta de recursos, quando se trata de saúde, é uma argumentação tão desprezível quanto quem a usa. A solução terá de passar antes pela melhor distribuição dos meios disponíveis e pela moralização das isenções. Quer das pessoas quer dos actos médicos. Porque não lembra a ninguém – excepto a alguns tresloucados – que se façam abortos à borla, se distribuam gratuitamente produtos alternativos à droga, que se isentem de taxas todos os indivíduos de uma determinada etnia, independentemente de serem ricos ou pobres, ou que – ao que se diz e por vezes escreve - se façam intervenções cirúrgicas que apenas servem para satisfazer a vaidade do paciente ou ajudar a carreira do médico. Tudo isto enquanto – alegam - não há dinheiro para transportar alguém realmente doente.